quinta-feira, 30 de abril de 2009

1.º de Maio

Labor, laboris trabalho, labuta.

E é isso... no dia do trabalhador, ninguém trabalha.
Não há muita lógica nisto, mas significa um fim-de-semana de tamanho L!
E quem me conhece sabe que me sinto muito mais há-vontade com tamanhos grandes.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Adamo

Adamo apaixonar-se; encontrar prazer em.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Já foi há mais de 12 anos...


Lembro-me do tempo ser longo, das conversas intermináveis, do fumo do incenso que rodopiava e subia pelo ar ficando no tecto misturado com as argolas dos cigarros que ardiam noite dentro e se apagavam no cinzeiro baixo de barro trazido de um bar qualquer.
Das portas que abrimos nas almas uns dos outros, das portas que se abriam de madrugada, dos sorrisos, dos risos, das gargalhadas, dos dramas, das discussões de impaciência, da partilha incondicional, das conversas cruas sem máscaras nem julgamentos de valor, dos diálogos no jardim ou em frente ao aquário.
Lembro-me da música que nos acordava pela manhã, fosse a que horas fosse, das disputas de congelador, das contemplações na varanda, da comida de pobre nos saber a gourmet de rico, dos jogos com o multibanco e de sermos felizes, do entusiasmo por descobrir um filme novo, da paixão por um autor, de sermos arrebatados por uma música, das paixões por sermos nós.
Lembro-me de um cortinado às riscas, de castiçais e velas, de nada dar com nada a não ser com a nossa vida, de gostarmos porque sim, do cotão debaixo da cama, do cortinado da casa de banho e do braço com unhas negras.
Lembro-me de coleccionarmos recordações na tralha que trazíamos para casa para nos pegarmos ao mundo, dos poemas, dos desenhos, das imagens pela parede, das festas e do cheiro dos perfumes.
Lembro-me da morte e ressurreição por amor, e do resto que guardámos, que é muito mais do que foi, continuarmos a ser nós.

Deixo aqui um pouco do que passou por nós.

sábado, 25 de abril de 2009

Festas e feriados...que mau feitio!


Gosto dos feriados como qualquer outra pessoa, mas gosto muito mais quando calham colados ao fim-de-semana e o dilatam para um tamanho L ou XL... Por isso é que estou aborrecida.
Temos 365 dias no calendário diponível para marcar feriados, e quando é que calham? Ao fim-de-semana.
Os feriados não deviam ser acumuláveis com fins-de-semana, é como as promoções, se temos um talão-desconto, não é acumulável sobre uma coisa que tem desconto, toda a gente sabe isso.
Excepto a Repsol que acumula os descontos com o cartão do Benfica. E às vezes a La Redoute.
Depois não percebo porque é que, quando o dia tem 24 horas, se lembram de deitar foguetes assim que as zero horas saltam no mostrador do relógio, porquê?!? Quem é que àquela hora festeja seja o que for de pantufas e roupão, olhos remelentos enquanto se tenta acalmar por ter acordado no que mais parece um filme do Rambo?! Se eu aumentasse um décibel da minha televisão que fosse, arriscava-me a ter a polícia à porta, mas como é a junta de freguesia, já se pode, é o feriado, e não reclames que parece mal, até parece que tens alguma coisa contra o feriado.
Claro que não tenho, mas porque é que, nas outras horas do dia não se ouve um pio? Está sol, estamos todos vestidos e acordados, talvez até sem grandes planos para o dia, bora lá festejar que nem uns perdidos como se não houvesse amanhã!... nada? Nem um foguetezinho sequer?
E depois quem tem mau-feitio sou eu.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O 25 de Abril, 32 anos depois


25 de Abril... Há tanta coisa para dizer do 25 de Abril. A sério, há mesmo.
Infelizmente só posso falar daquilo que sei. E o que eu sei de verdade é que nasci há 32 anos, depois da revolução dos cravos.

Eu não gosto de política, assumo que é um tema que me aborrece profundamente, porque não acredito na forma como é feita, na sua isenção e no seu propósito de servir o povo. Sinto que o objectivo primário do político é estender a sua toalha na melhor praia que conseguir, e daí começar a construir um condomínio privado.
Acredito que existem políticos bons no meio dos maus, da mesma forma como acredito na excepção que confirma a regra. Não acredito é que existam políticos realmente bons, porque os ideais são... muito fraquinhos.

Toda a vida ouvi os meus pais falarem do antes do 25 de Abril, especialmente quando esta data se aproximava.
O meu pai conta que queria ir à Suécia tratar de negócios e não o deixaram ir porque viajar era uma coisa muito complicada e sujeita às vontades de terceiros. Principalmente terceiros que tinham poder por andarem de braço dado com o regime.

A minha mãe conta-me acerca do medo por ouvir a Rádio Moscovo, num rádio de madeira que furava a opressão em bom som lá do alto da prateleira dos copos e garrafas da taberna do meu avô, e de a minha avó reclamar da loja ao lado, Baixa isso, ai Jesus que ainda te vêm buscar, enquanto os homens, sentados nos bancos de madeira com um copito de vinho assente sobre a toalha de plástico, a mandavam calar para ouvirem melhor.

Contaram-me também acerca das pessoas que falavam contra o regime, que eram levadas pela PIDE, as torturas e humilhações a que eram sujeitas, e depois, se eram libertados, a exclusão social pelos mais próximos como se clamar por liberdade fosse alguma doença contagiosa.

Mesmo assim acho que talvez o que tenha sido o gatilho para a revolta do povo que é brando, foi o cansaço de perder os mais próximos na guerra, uma guerra que até hoje ninguém sabe qual foi o seu verdadeiro significado.

Quase todas as famílias têm alguém que esteve lá fora a lutar pelo país. Eu tenho o meu pai, acho que nunca vou saber até onde o devastaram os traumas de guerra, nem aos que ficaram cá à espera de notícias e que regressasse bem.

Há uns anos atrás levaram-me ao forte de Peniche, visitei as celas onde punham os presos políticos e a solitária que emanava a tortura e a opressão daqueles tempos. Lembro-me do chão ainda manchado. Vi também os desenhos do Álvaro Cunhal, ou Cabeça Branca, como lhe chamavam os meus avós. Vi o plano de fuga, que me pareceu difícil e arriscado. Para alguém arriscar a vida daquela maneira ao fugir do forte é porque a vida dentro do forte não era nenhum prato de arroz doce.
Acho que aquela visita foi o mais próximo que tive antes de Abril de ’74.

Sei que foi um acontecimento marcante, que deu liberdade ao povo e que os que o viveram ainda hoje vibram intensamente por terem participado num momento histórico. Conheço-o, mas por muito que o expliquem não o compreendo da mesma forma que eles, e para mim é um momento tão distante quanto o 5 de Outubro de 1910.
Porque não o vivi.

Por muitos livros que se leiam, por muitos filmes que se vejam, por muitos cravos que nos ofereçam, por muito que ouçamos cantar o Zeca Afonso, ou por muitas manifestações onde vamos, nós, da geração pós 25 de Abril, nunca saberemos valorizar na sua plenitude esta data. Não é que não queiramos, mas não conseguimos.

Apesar disso, sabemos que não queremos viver oprimidos, contraídos, com medo do próximo e submissos à vontade alheia, e por isso é bom lembrar: 25 de Abril, sempre!

terça-feira, 21 de abril de 2009

Maria


A minha Maria foi um pequeno milagre que apareceu sem ninguém pedir, a peça da engrenagem que faltava para dar sentido a muitas coisas, e a chave de muitas alegrias.
É Maria como as outras e tem outro nome como o meu. Fiquei muito orgulhosa porque o nome é um pedaço de nós e ela assim tem um pedacinho meu que lhe pertence para sempre que a vai fazer lembrar-se de mim mesmo quando eu já cá não estiver.
A minha Maria é alegre, sorridente, simpática, inteligente, esperta, desinquieta, barulhenta, faladora, generosa, compassiva, destemida, energética, trepava a tudo, partia tudo, fazia birras cheias de lágrimas, dava gargalhadas cheias de cócegas, e quando estava a aprender, olhava-me atenta, com aqueles olhinhos muito abertos redondinhos e arrebitados nos cantos, como duas vírgulas.
A minha Maria começou careca, cabecita de pêssego, para ganhar anéis torradinhos, e depois um abundante e lindo cabelo cor de castanha de gente grande.
Gostava de lhe dar beijinhos no nariz, entre os olhos e as sobrancelhas macias, e de a adormecer nos meus braços, enquanto me agarrava o dedo com a mão quente rechonchuda e macia, até o largar, ficando abandonada aos sonhos e ao mundo, e eu a respirar aquele cheirinho a bebé delicado.
A minha Maria sempre gostou de experimentar as palavras e por isso falava até as esgotar, de experimentar os raciocínios, de experimentar os sabores, de experimentar as texturas, de gritar e cantarolar, articulando os lábios muito bem desenhados a lápis cor-de-rosa.
A minha Maria gostava de cor-de-rosa mas agora gosta mais de outras cores, gosta de massa, de gomas, de fazer bolos, e de brincos-de-princesa.
A minha Maria chama-me sempre por aquela palavra única, que me faz sentir saudades e procurá-la pelo canto do olho quando ouço outra criança dizê-la.
A minha Maria era pequenina e ficou grande depressa demais, mas para mim é sempre pequenina, sempre minha e sempre Maria.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

No tempo dos luze-cús

Voltou a chover e a fazer frio.
É giro ver como o que é bom me deixa logo mal habituada, e os primeiros dias de primavera com calor chegaram para esquecer o frio de todo o inverno.
Gosto muito de calor. Se há coisa que eu me lembro, é das noites de verão quando era garota, em casa dos meus pais. Era tão bom!
Os serões eram longos, e após o hino que marcava o fecho da televisão (que foi a preto e branco durante muito tempo) às 22h, passando para a mira técnica, a noite ainda era uma criança. Íamos para o quintal, nas noites quentes, espalhávamos uma manta de trapos pelo chão e os almofadões, e ficávamos por ali.
Como o portão só era fechado quando íamos dormir, as vizinhas que passavam entravam e ficavam à conversa com a minha mãe, as minhas avós e a minha tia. Discutiam animadamente a novela como se da vida familiar se tratasse, e imitavam-se os tiques, maneiras de vestir e penteados das actizes que faziam o papel de boazinhas. As más ou loucas tinham sempre um ar extravagante ou fora de moda, lembro-me por exemplo da Fedora, na novela «Sassaricando» que usou um vestido de noiva preto e outro vermelho, e que com isso chocou toda a gente.
O cheiro a verão e às ervas acabadas de regar era delicioso e fresco, e eu entretinha-me a apanhar «luze-cús», só mais tarde é que soube que se chamavam pirilampos. Eram tantos e tornavam a noite tão mágica! Prendia-os num copo, e a minha mãe, depois de eu me deitar, libertava-os e punha no lugar uma moeda escura de 50 centavos.
O meu pai gostava muito de ouvir cantar os grilos, volta e meia apanhava um e punha-o sobre uma folha de alface numa pequena gaiola quadrada de plástico amarelo, para que cantasse a noite toda.
Deitada no chão, contava as estrelas e afastava as melgas, e em noites mais inspiradas as minhas avós contavam as histórias do tempo delas.
Quem gostava muito de contar histórias era o meu tio-avô, foi através dele que conheci «Os 3 porquinhos», «A Gata Borralheira», «O Capuchinho Vermelho» e «A Bela Adormecida». Mas ele tinha a particularidade de saber «Os Lusíadas» de cor, e remetava sempre as histórias com um poema de Camões, por vezes dos grandes. Na altura não sabia quem era Camões, e porque é que o meu tio gostava de falar num português tão estranho... a pouco e pouco ia-me desviando das atenções dele que, entusiasmado, ficava a declamar sozinho.
Também era muito frequente ficarmos sem electricidade, só tínhamos as luzes modestas e brancas da rua, e ficávamos por ali a conversar e a deitar água no chá à medida que este se bebia até a luz voltar e a água ficar clara.
Naquela altura, os serões eram longos e havia tempo para crescer. Será que hoje ainda há luze-cús?

quinta-feira, 9 de abril de 2009

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Callistemon



Podia ser um nome de uma personagem de BD.
Apanhada aqui.

Uma espera

Uma espera «forçada» - já que espero apenas porque quero - é a causa porque me dirijo para o centro comercial Campo Pequeno.
É um edifício que sempre me fez lembrar mais os palácios dos contos infantis, na sua forma redonda cor de tijolo rematadas por cúpulas e torreões verdes de estilo neo-árabe, do que uma arena para torturar toiros.
Também é o sítio que geograficamente me está mais à mão, ou melhor, ao pé, já que é por este meio que me desloco, para esperas.
Habitualmente passo por lá em marcha automática, mas hoje tenho tempo para me dar ao luxo de gozar o caminho, e respiro fundo para abrandar.
Saio do passeio de calçada e entro pelo caminho de terra batida que serpenteia entre o jardim. Sinto um movimento do meu lado direito e vejo um pardal que se balouça numa flor invulgar que me lembra uma escova de lavar garrafas, com a haste verde e as cerdas vermelhas. Sinto pena por não ter uma máquina fotográfica pronta a registar a imagem. Devia haver uma tecnologia qualquer que tirasse da nossa mente os ficheiros que registamos para podermos partilhar com os outros.
Detrás de um arbusto sai um canzarrão pardacento e esguio que apressa o passo pachorrento para se desviar de mim. Passa por um banco onde está um casal de namorados que transferem o resto do mundo um para o outro com um beijo.
As esplanadas estão com pouca lotação, duas ou três mesas, uma delas composta por alguns estrangeiros que descansam as máquinas fotográficas e aproveitam o final da tarde para beberricar algumas cervejas.
Indiferente, segue gente que se dirige para os transportes, ou que segue pela rua fora, e outra que é engolida pelas várias entradas do centro comercial.
Apesar de fresca e cheia de vida como uma jovem de 18 anos, deixo a tarde lá fora enquanto empurro a porta de vidro para entrar no centro. Sinto o seu bafo morno de cheiro a loja. Percorro um corredor, e dirijo-me para a zona da restauração como se algum sistema magnético me tivesse atraído, há 6 horas que não como.
Levo o meu tabuleiro para uma mesa discreta, e sento-me a mastigar enquanto olho para os plasmas que vão passando informação. O concerto de Emir Kusturica & No Smoking Orchertra (tive um cd que emprestei para uma festa do pessoal lá da terra e acabou por ser roubado); os títulos do jornal «A Bola» supondo que toda a gente gosta de futebol; os horóscopos com Leão favorável a novas relações, Virgem terá de ter cuidado no trabalho e Balança está sujeita a problemas de saúde... não estamos todos sujeitos ao mesmo?
O meu olhar acaba por cair nas pessoas à minha volta. Sou fascinada por pessoas. Cada um de nós é um laboratório de ciências humanas, um mundinho que encerramos em permanente mutação.
Uma bebé vestida de verde que salta animadamente frente a um grupo que a olha com ternura, lembra-me a minha sobrinha na mesma idade;
um casal, ele e ela de cabelos muito compridos, lá em casa devem ser só cabelos pelo chão, eu aborreço-me tanto de apanhar os meus cabelos, principalmente no Outono, caem como as folhas;
dois amigos que chegam, um de fato com ar imberbe e de superioridade, o outro chama-me a atenção pelo seu ar de desespero, os ombros curvados para a frente e as sobrancelhas arqueadas como se fosse desatar num pranto;
ao casal de guedelhudos juntam-se dois rapazes. Devem ser estudantes do Técnico não sei bem explicar porquê, talvez pelas roupas de marca enxovalhadas e o ar de acabado de acordar. Tiram os cadernos das mochilas e começam a trocar ideias uns com os outros. Estranho, deviam estar de férias;
mais escondida, ou camuflados pelas suas figuras indolentes, está uma cena que me provoca algum desconforto. Uma criança que brinca com um carrinho pela mesa fora, a mãe, com ar bastante mais velho e triste, de braços cruzados olha para o infinito detrás dos óculos grossos montados na sua figura roliça e baixa rematada por um cabelo fino e oleoso, enquanto o marido, enfiado num fato que mais parece um saco fechado por uma gravata, mexe nervosamente no telemóvel e faz chamadas. Desviam o olhar uns dos outros como ímanes que com a mesma carga se repelem, num clima de desassossego, de desalento. Podiam ser completamente estranhos, mas chegaram juntos, ele à frente e a falar ao telemóvel, sentaram-se juntos, e agora vão-se embora juntos, ele à frente a mexer no telemóvel.
O meu telemóvel também chama por mim, alguém lá do outro lado diz-me que não sabe quando é que conseguirá acabar o trabalho que está a fazer. Decido ir para casa, já é tarde, o sol está-se a pôr e eu não me sinto muito segura por sair da estação dos comboios à noite. Ponho a mala ao ombro, e apresso o passo. Dirijo-me, neutra e mecânica para fora do centro e junto-me ao trilho de outras gentes. O caminho é agora como um comprimido que tem de ser tomado com um copo de água que não sabe a nada, e chego a casa inundada nos meus pensamentos insípidos.

Imagem retirada daqui.

domingo, 5 de abril de 2009

Conflitos com a moda


Houve tempos em que eu me interessava muito por moda. Até quis ser estilista, na minha cabeça via desfiles inteiros a passar ao som de uma música e tentava correr atrás deles desenhando modelos atrás de modelos. Tudo servia de inspiração, desde a areia da praia até à cesta de fruta na mesa da cozinha.

Gostava muito da elegância da Dior e de Montana, do estilo gráfico de Thierry Mugler (o que raio anda a Beyoncé a fazer com o fato que já foi usado no vídeo Too Funky do George Michael?!?) da simplicidade de Jil Sander, ou da irreverência de Jean Paul Gaultier e de Vivienne Westwood.

A pouco e pouco fui ganhando uma vida e afastei-me deste mundo para um mais real onde percebi que não é a moda que não é feita para mim, mas eu é que não sou feita para a moda.
Se fosse, eu teria 1,90m, 50 kg, e via-se mais ossos do que um frango no fim de ser comido por um bando de adolescentes.

Não me deixei de interessar por moda, mas já não me fascina.
É como aquelas amigas que são muito amigas durante uns tempos até vermos que não temos mais assunto para conversar. Quando nos encontramos até somos capazes de ir tomar um café juntas, mas vivemos bem sem fazer parte da vida da outra.

O meu interesse desceu, literalmente.

Agora sinto mais interesse por sapatos. Adoro ver um original par de sapatos de salto alto.
Mas não para usar. Sou adepta ferrenha de calçado confortável, e só não uso daqueles chinelos de enfermeira ortopédicos que se vendem nas farmácias por vergonha.
Às vezes faço aquela expressão apavorada à Tim Gunn quando abro a minha modesta sapateira do IKEA e reparo que, apesar de estar tão cheia de sapatos monótonos a implorarem por liberdade, não tenho nada para calçar!

Este ano, melhor, desde há 4 anos atrás, porque isto da moda sofre de um considerável jet lag, a moda dos sapatos está como gosto: racional. Pés redondinhos à frente, bem pequeninos e femininos, com cunha e um pouco de plataforma, mas não demasiada para não se confundirem com cascos, e tacão em V, com suporte.

Finalmente parece que estão a desaparecer aqueles sapatos terríveis de saltos fininhos – stiletto - que se metem entre as pedras da calçada, deixando o sapato para trás, o pé descalço no chão e os transeuntes deliciados com o ridículo.
Esses sapatos normalmente têm um formato alongado por uma biqueira fina que se prolonga como se não houvesse amanhã, ou melhor, como se quisessem chegar a amanhã antes de nós! – o scarpin – ironicamente popularizados por Dior e usados por Marylin Monroe. São mais conhecidos por sapatos de matar baratas nos cantos, embora nunca tenha visto ninguém a dar-lhes esse uso.

O problema é que muito pouca gente tem a elegância da falecida, que por acaso até era pitosga e coxa e ficava muito bem de branco. Nunca se deve confiar numa mulher que tem tantas curvas e contracurvas como a Serra da Arrábida e se veste de branco sem ficar a parecer o boneco da Michelin. Quem é que ia olhar para os pés dela?!?

Porque é que nos queremos iludir pensando que estamos a fazer uma bela figura enfiadas nuns sapatos que terminam numa biqueira que se curva e descola da terra como um avião da pista? Será que queremos dar a ideia de que nascemos com o dedo do meio muito maior do que os outros todos, fazendo simultaneamente aquele gesto obsceno e universal semelhante ao que se faz com a mão quando queremos enviar alguém para aquele sítio?!?

Grande parte das mulheres que usam este tipo de calçado, mas grande parte mesmo, parecem pinguins empoleirados em desesperados pica-paus. Os pés desorientam-se automaticamente e ficam com um pé desmesuradamente grande no ponteiro das 2 horas e o outro pé desmesuradamente grande no ponteiro dos 50 minutos, o andar dez para as duas.

Usei uma vez uns sapatos desses. Estava desesperada por uns sapatos para levar a um casamento porque guardei tudo para a última hora, e as sapatarias pareciam ter-se juntado e conspirado contra mim, ficando inundadas de scarpins. Resignada, acabei por comprar o que me serviu: umas mules pretas com um laço no peito do pé e salto fino, que ficavam escondidas sob umas calças largas, de onde saíam os intermináveis bicos. Senti que calçava uma lancha em cada pé que chegava primeiro do que eu a qualquer lugar.
Acabei por me livrar deles pouco tempo depois. Ainda bem que fiquei com a fotografia que me apanhava da cintura para cima.
Há figuras que não vale a pena recordar.