terça-feira, 26 de maio de 2009

A FELICIDADE É A CAUDA DO CÃO



Vou contar-vos uma história que ouvi um dia e que mudou a minha perspectiva de felicidade. Já a contei a alguns amigos que passam por aqui, mas agora repito-a para aqueles que não a conhecem ou querem lembrar.


Era uma vez um cão. E era uma vez um gato. Ambos viviam na mesma casa.
O cão costumava correr atrás do gato, e o gato costumava subir ao muro alto do jardim para fugir do cão. Era uma canseira.
O cão andava sempre agitado, quando não era atrás do gato, era a fazer buracos no jardim, ou a correr atrás da sua própria cauda até cair para o lado. Depois descansava um pouco e recomeçava tudo de novo.
Certo dia o gato, no seu refúgio no alto do muro, estava a observar o cão naquela tarefa intrigante de perseguir a própria cauda, quando finalmente a curiosidade venceu o medo, porque os gatos são mais curiosos do que medrosos, e resolveu perguntar:
- Psssst... Cão... ó Cão. Cãao!!!... Hei!
- Que é que foi, ó Gato? Não vês que estou ocupado?!
- É só uma pergunta!!!
- Tu queres perguntar-me uma coisa?!? Ora essa...!
- Desculpa lá, estou para aqui a pensar... o que é que tu estás a fazer?!?
- EU? Então não vês?! (Este gato é mesmo estúpido!) Vou explicar: Vês isto aqui atrás? Isto que abana?! É a minha cauda e assim que vou atrás dela, foge e não consigo apanhá-la... por mais voltas que dê, quando estou mesmo quase a tocar-lhe, foge logo!... Mas hei-de conseguir um dia.
- E para que é que a queres apanhar?
- Para quê?! Porque nunca a apanhei e quando conseguir vou ficar muito feliz! Ora para quê!
- E o que é que fazes com ela depois?
- Então, depois... depois apanho-a outra vez, e outra, e outra...
- É por isso que corres atrás de mim, para apanhar a minha longa cauda de gato?
- Claro! Quando trincar a tua rica e longa caudinha e a fizer curta como a minha, vou ficar mesmo muito contente, vais ver!
- Oh Cão, desculpa lá, mas tu és um palerma!
- Eu?! Palerma?!? Que atrevimento! Se eu conseguisse subir o muro, arrancava-te já a cauda para veres como é! Palerma...!
- É o que tu és. Isso não faz sentido nenhum, e se não consegues perceber porquê, eu explico.
- Ai é? Então explica lá, a ver se me convences.
- Bem... se tu andares em linha recta, assim como quando corres ou fazes buracos, onde está a tua cauda? Vai atrás de ti, não é?
- Sim, claro...
- Então quer dizer que se ela vai atrás de ti, é porque já te pertence. E se te pertence, é tua, não precisas de a apanhar, ela vai sempre atrás de ti para onde fores. Não és mais feliz assim?
- Bem, ó Gato... assim... em linha recta.... hum, lá isso parece que sim... eu ando... olha! Vem cá atrás!... acho que tenho de te dar razão... mas espera lá, e a tua?
- A minha? Se eu andar para a frente, ela vai comigo. Mas se quiseres, também pode ir contigo, a escolha é tua.
- Minha?! Como é que a podes deixar ir comigo?
- Podes escolher: se me continuares a perseguir, a minha cauda vai estar sempre à tua frente, mas se me deixares caminhar contigo, ela vai connosco.
- Olha, Gato, pensando bem, acho que tens razão... surpreendeste-me! Porque é que não desces daí e vamos passear os dois?
- Tens a certeza que não me vais morder?!
- Sim, claro que tenho. Assim, em vez de perseguir uma cauda, ficamos com duas (e a tua ainda é mais longa!) que vêm atrás de nós. Para dizer a verdade, já começava a ficar farto de andar às voltas e encontrar sempre o meu próprio rabo...

A partir desse dia, Gato e Cão caminharam juntos até ao pôr-do-sol... e para além disso.
Tal como a cauda do cão, assim é a felicidade: já a temos, só nos falta a atitude de sermos felizes.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Lana Caprina

Dahucapra Rupidahu: um documentário delicioso.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Evolução

Todos os dias me devia sentar em frente ao computador e escrever um pouco que fosse. Devia ser assim, disciplinada, regular, certinha, atilada.
Mas não sou.
Sento-me ao computador, escrevo só quando me dá na bolha, e muitas vezes nem sei muito bem acerca do quê.
Ainda por cima, num dia de sol tão morninho, eu podia ir lá para fora, onde a vida realmente acontece, mas não, fico aqui a premir as teclas nem sei bem para dizer o quê.
Tenho é vontade de juntar letras, juntar palavras, juntar migalhas a ver se dá um bolo. É o que se chama de «começar ao contrário».
O que interessa é começar.
Tal como diz na Bíblia, esse grande best selller de inúmeras edições, «No princípio era o verbo». Contrariamente à ambiguidade do que se interpreta na Bíblia, o que se passa na minha cabeça é muito linear. Não tenho um só verbo, mas muitos verbos, muitos sujeitos, nomes e artigos que tento alinhar numa articulação gramatical que se perceba.
Até agora, demasiado confuso.
Tudo bem, também não sei para onde vou. Nem de onde venho.
Não faço ideia onde este texto me vai levar, parece que comprei um bilhete sem destino. E se alguém que está aí me lê, então está a viajar comigo neste passeio que dá a volta ao quarteirão da minha cabeça.
Tendencialmente, nessas voltas ao quarteirão, acabo por quase sempre encontrar algo conhecido. Raramente é o que interessa, ou quem pensamos que interessa.
Confesso que gostava de poder viajar nos pensamentos dos outros, atravessar a porta dos seus pensamentos e manter-me tal e qual como no National Geographic da mente humana, atrás de um arbusto de neurónios. É demasiado indiscreto, eu sei, e por isso a natureza teve o bom senso de nos manter assim, fechados dentro das nossas caixas cranianas, no nosso corpo com as nossas limitações. Felizmente não evoluímos assim tanto... vida unicelular – macacos - homem. E a diferença do 2.º para o 3.º não é assim tão grande.
Considero-me uma darwinista, alguém que acredita que vimos de uma evolução de milhares de anos para servir de elo de transmissão do código genético, que lega a uma próxima geração as informações que são precisas para continuar a existir face às condicionantes do meio onde vive.
A teoria da evolução por selecção natural traz-me algum conforto, e explica-me por hipótese uma série de coisas que de outra forma eu não conseguia entender.
Coisas simples, básicas e generalistas, como a capacidade do homem se orientar no espaço e a mulher ser capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo – o macho orientar-se-ia no terreno de caça e a fêmea ficava com as crias;
Porque é que as mulheres são capazes de ter vários orgasmos e os homens depois de terem um adormecem de seguida, ou, ainda mais abrangente, porque é que existe infidelidade – para assim que a fêmea acabar de acasalar com um, possa passar para outro de forma a garantir uma gravidez... e para que o macho possa propagar a prole em competição com os outros machos;
Porque é que as mulheres desenvolvem o instinto maternal e o homem o desportivo – porque elas são responsáveis pela sobrevivência da cria e eles defensores do território.
De todos estes exemplos conheço as excepções, e todos eles existem devido à lei da propagação da espécie e ao evolucionismo. Instintos básicos herdados de uma sociedade que não estava ordenada com os valores que conhecemos agora, mas segundo as regras da sobrevivência.
Com o tempo fomos progredindo, eliminando em percentagem as ameaças à sobrevivência da raça humana até sermos O animal dominante, organizámo-nos em religiões, filosofias, políticas, economias, numa sociedade cada vez mais complexa e evoluída tecnologicamente.
Os homens deixaram de caçar, as mulheres saíram de casa para trabalhar, os filhos ficam no infantário, todos saem das suas casas com elevador, banheira de hidromassagem, gás canalizado, TV cabo, internet, ar condicionado... aprendemos o alfabeto, aprendemos línguas, aprendemos a premir as teclas do computador, a juntar letras que formam palavras que são frases que nos trazem até aqui, de regresso à volta do quarteirão, a este momento, onde estou eu.
E tu.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Desabafo de um amigo no meu e-mail



«A julgar pelos pares de sapatos que se amontoam lá em casa, a minha mulher deve ter ai pelo menos uns vinte pés...»
R.P.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Voltar a casa


O bom de sair de casa por alguns dias é sabermos que no regresso temos o conforto do nosso lar, do nosso ninho, do nosso canto.
Não é que não goste de sair, gosto muito de passear, alimentar os olhos e a alma, andar por outras terras, cheirar outros ares e saborear novos sabores, mas o regresso à roupa que cheira a nós é quase como o regresso ao conforto do ventre materno.
Lisboa não é o meu ventre materno, mas é onde deito a cabeça na almofada. É uma cidade que me aceitou e onde me diluí, onde me sinto portuguesa.
Gosto das colinas e de não conhecer tudo, gosto da parte antiga, das pedras cinzentas, dos bairros e ruas estreitas, de por vezes ouvir o fado na baixa, dos edifícios que contam histórias e do azul do Tejo.
Quando venho de longe e me aproximo da cidade, à noite, observo toda aquela vida que se espalha pelo monte, parece um guarda-jóias de onde se desfiam fios de missangas em luz que são estradas e casas e gente nos seus mundos.
À medida que avanço estrada fora, cidade dentro, sou engolida por aquela massa de vida, carros que passam, semáforos e lojas fechadas, cartazes, caixotes do lixo, jardins e centros comerciais, ordenados, espalhados, e sinto-me plena na minha quietude por fazer parte desta cidade... e poder sair dela.

(imagem retirada de http://www.fotodependente.com/img13427.htm)

terça-feira, 12 de maio de 2009

O Giga Prémio de Invenção de toda a Humanidade, Universo, Arredores e Etecetera



Hoje pus-me a reflectir acerca do que é para mim a mais maravilhosa invenção do homem, aquela que melhora significativamente a qualidade de vida, que nos dá conforto, que é ao mesmo tempo objecto de apurado design e de grande simplicidade, o engenho ao qual daria O Giga Prémio de Invenção de toda a Humanidade, Universo, Arredores e Etecetera.

Assim, cheguei à conclusão que, deixando em segundo lugar a roda, o troféu vai para...(rufar de tambores)... a sanita. Também há quem chame retrete, latrina, sentina, privada... eu chamo sanita.

Haverá sítio mais intimista ou lugar mais privado para baixar as guardas da nossa roupa interior e nos sentarmos?

Acredito que os que se usam dela e se despacham num instante também a valorizem muito, mas não tanto como os que, antecipando o momento de alívio, metem debaixo do braço o livro, ou o jornal, ou a revista, ou o folheto do hipermercado ou até, já tenho visto, o computador portátil. Assim sim, sabemos que se vai desfrutar de uma oportunidade de profunda reflexão, cultura, informação ou criatividade, um instante mais do que nosso naquele templo onde cedemos às necessidades e instintos básicos da natureza, ao mesmo tempo que nos distanciamos dela, onde somos reis do nosso reino de reduzidos metros quadrados, sentados num higiénico e confortável trono de porcelana, com a segurança de um macio rolo de papel higiénico.

E aí, cedendo ao impulso dos músculos, no êxtase fisiológico, fazemos o que temos a fazer, até ao arrepio final, sem preconceitos nem pudor ou preocupações com cheiros, barulhos ou trejeitos de expressão que nos envergonhariam em qualquer fotografia.
É a libertação total! E como a valorização deste objecto cresce proporcionalmente à vontade de o utilizarmos!

Por mais evoluídos, por mais educados, cultos, sofisticados ou endinheirados que sejamos, teremos sempre de obedecer ao ciclo natural da alimentação, ingestão, digestão, flatulência, micção e defecação. Por mais escatológico que nos pareça.

Em suma, a sanita, que também se pode chamar retrete, latrina, sentina, privada... encerra o paradoxo de que a nossa humanidade também reside no facto de sermos o único animal à face da terra que tem um local próprio no seu habitat para tratar das suas necessidades mais íntimas, ao mesmo tempo que a nossa natureza animal se vincula no aspecto em que da fralda ao fraque, todos dão traque.

Agora, meus amigos, lanço-vos o desafio: a que atribuiriam este prémio?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Vetustas vicem legis obtinet

Vetustas vicem legis obtinet Os velhos costumes transformam-se em lei.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Vó Julha



Hoje acordei com os olhos inchados e quando me vi ao espelho lembrei-me da minha avó paterna.
A minha avó tinha os olhos grandes com pestanas curtas como as minhas. As pestanas curtas devem ter sido a única herança genética que ela me deixou, mas em contrapartida acompanhou-me durante os primeiros 19 anos da minha vida.
Era uma mulher forte de corpo e carácter, sábia e paciente, de cabelo muito branco cujas ondas vincava cuidadosamente com a parte lateral da mão. Peito grande e ancas largas, anunciava a sua presença sempre com um sonoro «Hei!»
Cheirava sempre a lixívia e ao sabão azul e branco com que lavava a casa, e ao Feno de Portugal ou a Lux com que se lavava. Guardava, «para dar cheirinho», sabonetes Rosalface, que eram de luxo, juntos com as melhores roupas e o nosso enxoval, meu e da minha irmã, repartido por igual para que não houvesse desavenças. Porque ela era uma mulher de paz e do povo, que não queria dar trabalho a ninguém.
Trabalhadora e respeitada, uma boa mulher que enchia a casa com a sua presença.
Comentava as novelas como se da vida real se tratasse, e quando um de nós precisava de uma consulta, ia mais cedo para o centro de saúde aguardar vez para que não tivéssemos de nos levantar tão cedo.
Quase sempre trazia um presente dentro de um saco de plástico para as «suas meninas». Um pacote de batatas fritas, um Bollycao, uma pastilha Gorila, um pacote de Capri-Sonne ou, às quartas feiras quando ia ao mercado, um bolo de massa ou um pacote de pevides que descascava pacientemente num montinho que punha em cima do joelho, sobre a bata de flores castanhas que vestia, para depois eu pegar e meter tudo de uma só vez na boca.
Se acaso a minha avó não fosse naquele dia lá a casa, vinha o meu avô saber notícias nossas, e o recado que lhe enviávamos, e que ele fielmente entregava, era sempre o mesmo: «Um beijo prá Vó Julha»!
Tudo o que as netas fizessem era para ela um grande motivo de orgulho que comentava cheia de pontos de exclamação... «Olha-me estas mãos tão lindas!!!», «Que falas tão lindas que ela disse agora!!!»... e ora me beijava as mãos, ora me dava beijihos na «covinha do ladrão».
Se eu fazia um disparate qualquer, dizia «Ai, a rapariga parece que está dôda!».
Quando havia festa, trazia sempre o seu fofo pão-de-ló, muito amarelo por dentro, com uma crosta durinha que barrava com manteiga e onde espetava amêndoas torradas, deixando as restantes no buraco do bolo. Às vezes ficava o bolo cheio de buracos das amêndoas que íamos tirando e roendo.
Quando ia almoçar a casa dela, no final da refeição oferecia-me sempre uma chávena de café Pensal que eu adoçava com açúcar amarelo, numa chávena e pires de porcelana castanha escura, sentindo-me uma pessoa crescida.
No Natal fazia os cuscorões lêvedos, que amassava no alguidar verde de barro, com afinco, honrando o jeito que aprendera com a sua mãe padeira. Eu ia ajudá-la a fritar alguidares de cuscurões, no fundo só punha o açúcar, mas ela elogiava esta tarefa como se fosse a mais importante do mundo, e dizia «Serviço de menina é pouco, mas quem o perde é louco.»
Era uma optimista que tinha sempre as suas frases de conforto: «Ó filha, deixa lá, podia ser pior. Hora a hora, Deus melhora.»
Fugiu de casa, onde tinha mais 6 irmãos e a mãe sob a alçada de um pai tirano, para casar com o meu avô. Passados 50 anos baptizou-se e voltou a casar-se , desta vez por igreja. Eu, a minha irmã e a minha mãe, fomos as madrinhas.
Dizia-me, quando se falava de namoros e rapazes, uma lição que guardo com valor: «Nunca te cases com um homem que não gostes. Já quando se gosta é difícil.» Acho que ela ia ficar contente por a ter ouvido.
Hoje fui ao super-mercado, às vezes aproveito a hora de almoço para fazer umas compras, e andei um pouco pelos corredores. Parei em frente à prateleira dos sabonetes e peguei num. Como o Rosalface me cheirou a saudade!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Um título simpático...












generosamente oferecido pelo F3lix, que agora penduro nesta parede. Passa-lo-ei à Rainha do Nada, Ao fundo da minha Rua, Aqui mando Eu, Bichos do Conto, Egocentrismos, Graphic_Diary, Mil Novecentos e Oitenta e Qualquer Coisa, O Espírito do Tai Chi, O Regresso do Buck Jones, Sud Express.

Mãe

«Leva para ti.»
«Prende o cão antes de saíres.
Deixa ficar a janela da casa de banho como está para o gato sair.
Leva o chapéu de chuva, está na cadeira.
Beijocas, Mãe.»