sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Como não cortar arame

Teria eu uns 5 anos e, enquanto a minha mãe recebia os meus tios-avós na sala durante o serão, lembro-me de me distrair com a minha irmã na cozinha, de a ver a fazer colares de arame para pendurar conchas e medalhas, um acessório importante para uma adolescente.
Como irmã mais nova, sempre admirei tudo o que ela fazia, e quis também fazer um colar.

Peguei no rolo de metal e numa tesoura e segui-a até à casa de banho, onde observava, à luz amarela do espelho, o aro em volta do pescoço. Pedi-lhe que me cortasse um pedaço de arame, e ela, distraída, respondeu que o fizesse eu.
Então fiz.
Dei uma tesourada no dedo indicador esquerdo e o arame ficou inteiro.
Corri, com lágrimas e sangue, direito à minha mãe que me acudisse. Entre pranto e frustração, penso eu que numa tentativa de acalmar, disse-me o meu tio, debaixo do seu chapéu preto e apoiado na sua bengala de madeira castanha, que as tripas não me iam sair por ali.
Achei uma observação lógica.
Sequei as lágrimas dos olhos, e a minha mãe secou o golpe no dedo, que protegeu com um penso rápido.
Ainda hoje tenho essa cicatriz. Já esteve bem mais nítida, foi-se esbatendo no tempo com os vincos da pele. Uma marca ligeira como as (des)preocupações da infância, da presença de pessoas que já nos deixaram há muito, e a presença dos que ainda nos acompanham.
Por isso, há cicatrizes doces.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A minha anedota preferida.

«- Sabes o que é que sai do cruzamento entre um cavalo com uma coelha?
- ...?!?
- Saem os olhos à coelha!!!»

Esta anedota já usa andarilho e fraldas para incontinência há muito tempo, mas gosto dela por ser curta, gráfica e ter uma punch line muito boa.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

É uma corrida louca.

É uma corrida louca. Agarrando as saias cheias de folhos que se agitam com o movimento das pernas, corre a espanhola em aflição, a gritar com as faces coradas, lábios e olhos pintados, cuidadosamente combinados com o cetim vermelho de bolinhas pretas. A sua mantilha negra presa aos cabelos tomba e baloiça sobre as costas e a ela se agarra, num pulo, a noiva, de vestido imaculado e véu puxado para trás. Prendem-se as duas numa luta, à qual se junta, num ápice, a Branca de Neve, baixinha e desajeitada, e uma enfermeira gorducha, de bata até aos joelhos, meias brancas e ténis cor-de-rosa. As quatro puxam, com esforço e aos berros, uma varinha mágica brilhante e comprida. De mãos dadas chegam a fada, de azul claro e dourado, e a Bruxa, de negro e roxo, lábios escuros e uma enorme verruga no nariz. Em comum têm os chapéus pontiagudos e gargalhadas estridentes, e ficam a ver a luta.
Sem se deixar perturbar, baloiça-se uma árvore a Índia, vai dando cambalhotas à medida que fala, com maior ou menor esforço, com uma Joaninha que salta à corda.
A correr com os braços bem abertos, vem o Homem-Aranha, vermelho e azul, um Super-Homem que agarra a ponta da capa, o Noddy com o seu lenço e gorro tortos e, bem mais atrás, um atrapalhado palhaço de fato amarelo aos quadrados coloridos, gola farfalhuda, cabelo verde, nariz vermelho e sapatões que mais parecem umas volumosas barbatanas.
Chega também um Vampiro, de negra capa e cartola, dentes aguçados e sangue que escorre por ambos os cantos da boca. Dirige-se à luta e, com a ameaça de uma dentada nas mãos da espanhola, arranca-lhe a varinha. A noiva reage, com o véu torto e despenteada, e grita o mais alto que pode.
Num canto, debruçados sobre o muro, estão um cowboy, de camisa aos quadrados e chapéu preto, e um Zorro, olham ambos com atenção para o écran de um Magalhães.
Soa uma campainha num toque alto e longo. Todos se direccionam para o mesmo lado. São horas de voltar para a aula e deixar cá fora todas as fantasias e histórias deste carnaval.

Desafio das 6 verdades e 3 mentiras...

Aceitei o desafio do Arséne Lupin para escrever 9 coisas acerca de mim das quais 3 têm de ser mentira. Cá vão:
· O meu perfume preferido é o Chanel n.º 5;
· Antes detestava o vermelho, mas agora é a minha cor preferida;
· Odeio andar de avião mas não recuso uma viagem;
· Ponho sempre salsa e coentros, bem picadinhos, em tudo o que é cozinhado;
· Tentei ler o «Memorial do Convento» 7 vezes e nunca consegui terminar;
· Sou apaixonada pelos livros da Anne Rice e séries de vampiros;
· Passei grande parte da infância a brincar com gatos e fita-cola industrial;
· Tenho uma tara por homens de sobretudo;
· Gosto imenso de limpar a casa e uso sempre as minhas luvas cor-de-rosa com plumas.

Agora tenho de passar a 9 bloggers...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Fases. Tudo na vida são fases. Também há fezes.


A vida vai-nos desfiando como a um novelo de lã e tricotando uma camisola com laçadas mais ou menos intrincadas.

Digo eu, que não faço malha.

Houve uma altura em que a minha mãe quis que eu aprendesse, «para um dia ser uma mulher que sabe fazer tudo». Creio que faz parte da formatação de mulher.

A minha mãe gostava que eu fosse habilidosa como ela, já fez tanta malha na vida que até tem os dedos pequeninos curvados, em ambas as mãos.

Eu tentei, juro que tentei, dar laçadas com a lã que me fazia suar as mãos e depois escorregar a agulha, e ficava desesperada porque tinha de fazer tudo de novo numa nova laçada. A minha mãe ficava desesperada porque era incapaz de dominar a sua falta de paciência, enquanto fazia círculos velozes no ar com a ponta das agulhas, à medida que tricotava metros de lã como se tivesse à sua disposição todas as ovelhas do mundo. E dizia «É assim... vês?... não, é com a outra mão... como não te dá jeito?!?» e suspirava como se o facto de eu ser canhota justificasse a minha falta de jeito.

Mais suor nas mãos, mais impaciência, mais dias se passaram que pareceram muitos mais do que foram, e quando aprendi finalmente a dar laçadas na lã, uma, outra e outra e mais outra... pousei as agulhas e comuniquei à minha mãe que não a queria imitar, na fase em que as mães querem ser imitadas pelas filhas. Mostrou pena, mas no fundo respirou de alívio.

Também mostrou uma parte do seu amor incondicional.

O que é certo é que não tenho paixão por rendas e bordados e malhas e fios e coisas que nos fazem suar as mãos. Ainda estou nessa fase.